Biografia de Delmiro Gouveia

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Conheça a história do empresário pioneiro da industrialização no Brasil. Do comércio de couros no Recife à criação da primeira hidrelétrica do Nordeste, sua trajetória foi marcada por ousadia, inovação e um espírito empreendedor que transformou o sertão alagoano em polo industrial.
Delmiro Augusto da Cruz Gouveia nasceu em 1863, no Ceará, mas construiu sua vida no Nordeste entre Pernambuco e Alagoas. Órfão de mãe aos 15 anos, começou a trabalhar cedo: foi bilheteiro de trem, chefe de estação e despachante de armazém. Logo percebeu no comércio de peles uma oportunidade de crescimento e, em poucos anos, tornou-se um dos maiores nomes do setor, exportando para mercados internacionais.
O primeiro shopping center do Brasil
Em 1899, inspirado pela Feira de Chicago, inaugurou no Recife o Mercado Modelo Coelho Cintra, que ficou conhecido como o primeiro shopping center do país. O espaço reunia mercado, hotel, cassino, parque de diversões e até velódromo. O sucesso foi imediato, atraindo milhares de visitantes. Mas a ascensão incomodou inimigos políticos, e o empreendimento acabou incendiado por ordem do governo estadual, em uma disputa de poder que colocava Delmiro contra as elites locais.
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A mudança para Pedra e a visão industrial
A perseguição política e rivalidades pessoais levaram Delmiro a se mudar para Pedra, no sertão de Alagoas, em 1903. O povoado, até então pequeno e isolado, se tornaria palco de sua maior obra. Ali ele construiu currais, açudes, estradas e, sobretudo, projetou um complexo industrial pioneiro.
Com ideais nacionalistas, Delmiro sonhava em enfrentar a dependência brasileira de produtos importados. Seu alvo foi o monopólio inglês das linhas de costura “Linhas Corrente”. Em 1912 iniciou a construção de uma fábrica moderna, que contaria com energia gerada pela primeira usina hidrelétrica do Nordeste, a de Angiquinho, inaugurada em 1913.
A fábrica Estrela e a vila operária
Em 1914, a Companhia Agro Fabril Mercantil começou a produzir a marca Linhas Estrela, com preços competitivos e qualidade reconhecida. A produção chegava a meio milhão de carretéis por dia, abastecendo o Brasil e conquistando espaço na América Latina. O feito colocou Delmiro em confronto direto com a poderosa Machine Cotton, empresa inglesa que dominava o setor no continente.
Ao redor da fábrica, o empresário ergueu a Vila Operária da Pedra, um modelo de urbanização no sertão. Os trabalhadores tinham acesso a moradias de alvenaria, água encanada, eletricidade, escola, atendimento médico e até regras de convivência que proibiam armas e moderavam o consumo de álcool. A experiência refletia uma visão de desenvolvimento que unia produção industrial, qualidade de vida e ordem social.
Conflitos e morte misteriosa
O sucesso e a ousadia também multiplicaram os inimigos. Além da rivalidade com coronéis locais, o embate com a Machine Cotton acirrou tensões. Em 1917, Delmiro foi assassinado a tiros em circunstâncias nunca totalmente esclarecidas. Para alguns historiadores, a motivação esteve ligada a disputas políticas regionais. Para outros, foi resultado de pressões da concorrência estrangeira.
Pouco depois de sua morte, seus herdeiros venderam a fábrica à Machine Cotton, que mandou destruir o maquinário e lançou os escombros no rio São Francisco, eliminando uma das maiores ameaças ao monopólio britânico.
Um legado de modernidade no sertão
Delmiro Gouveia morreu cedo, aos 54 anos, mas deixou um legado raro na história empresarial brasileira. Foi pioneiro na industrialização do Nordeste, levou energia elétrica a uma região isolada, construiu estradas, açudes e abriu caminhos para a ideia de autossuficiência econômica.
Mais de um século depois, a cidade de Pedra leva o nome de Delmiro Gouveia em sua homenagem. Sua trajetória continua a inspirar estudos e reflexões sobre como o empreendedorismo pode ser força de transformação — mesmo em meio às adversidades políticas, sociais e econômicas.