Resenhado por Maria Edineime Lopes, aluna do Curso de Administração, Módulo IV, Universidade Federal do Piauí, 2016. Sobre Francois Laplantine: nasceu na França em 11 de fevereiro de 1943. Doutorado em Antropologia pela Universidade de Paris, Pesquisador nas áreas de Antropologia e Etnografia, é professor de Etnologia na Universidade de Lyon II. Além de “AprenderAntropologia”, Laplantines é autor de A Etnopsiquiatria (Editions Universitaires, 1973), As Três Vozes do Imaginário: o mecanismo, a possessão e a utopia (Editions Universitaires, 1974), Antropologia da Doença (Editions Payot, 1986), dentre tantas outras obras importantes para o meio acadêmico, social e científico. Os capítulos de I a V do Livro Aprender Antropologia de François Laplantine fazem um relato sobre a história da Antropologia desde suas origens, ainda no século XIV época das grandes navegações europeias em que ocorrem os primeiros contatos dos povos europeus com novas e diferentes culturas, até o momento em que esta começa, de fato, a amadurecer e a se firmar como ciência social. De acordo com o primeiro capítulo, a história da antropologia teve seu início com as grandes viagens marítimas europeias dando suporte para a 'descoberta' de culturas nunca imaginadas e descreve as más impressões dos europeus acerca das culturas recém encontradas pelos navegantes e o quanto eles se sentiam superiores em relação aos povos habitantes do Novo Mundo, dando a si o direito de se utilizarem de critérios próprios para julgar se aquelas pessoas poderiam ou não fazer parte da raça humana visto o grande impacto causado pelo choque cultural. Apesar da grande resistência da Europa em aceitar essas culturas como normais, já existiam naquela época pessoas que defendiam 'os novos povos' e pessoas que apoiavam a posição do continente europeu, como Las Casas e Selpuvera respectivamente e que por muito tempo engataram vários debates sobre o assunto. Como podemos ver, o livro de Laplantine sugere que há uma dupla resposta ideológica, opostas entre si, não só no início das descobertas de novas culturas, mas que permanecem – apesar das inúmeras pesquisas e trabalhos realizados pelos antropólogos – até os dias atuais. Para o autor, apesar das reflexões sobre o homem serem tão antigas quanto o surgimento da humanidade e de todos os esforços da ciência, ainda não conseguimos chegar a uma conclusão precisa a respeito do homem, situação que ainda vai perdurar por muito tempo. Apesar da opinião negativa da Europa em relação aos 'novos povos' permanecer ainda por muito tempo, no segundo capítulo a sociedade que antes julgava os nativos como seres inferiores começa a questionar o etnocentrismo europeu e a criar mesmo que timidamente, uma base para uma futura disciplina que irá estudar o homem e seu multiculturalismo. Começa-se a entender que existe na Terra uma pluralidade cultural e não somente uma cultura que julgavam ser a correta e que servia de parâmetro para todas as outras. Se antes a comunidade científica se contentava com os simples relatos dos viajantes, a partir do século XVIII, já se começa a entender que somente isso não é mais suficiente para confiar nas informações repassadas por estes relatos. Existe agora uma necessidade de absorver de uma maneira mais aprofundada aquelas informações adquiridas, nascendo a partir daí a etnografia. Surge então a Sociedade dos Observadores do Homem nos seus aspectos físicos, psíquicos, sociais e culturais, formada por médicos, filósofos, moralistas, idealistas e naturalistas. O pesquisador agora vai observar o seu objeto de estudo mais detalhadamente e de uma forma mas próxima dos objetivos científicos, embora ainda à distância. Para isso, é planejada uma forma de conhecer melhor essa realidade encontrada em terras longínquas de uma maneira mais dirigida. Abandona-se os relatos e adota-se questionários como ferramenta de pesquisa que serão respondidos por intermediários, muitas vezes enviados às novas terras com outros propósitos. Esses questionários seriam analisados pelos cientistas dos quais tiravam e registravam suas conclusões sobre o homem 'primitivo'. Embora o capítulo III seja dedicado aos cientistas que fizeram os primeiros estudos de temas antropológicos, – Maine, Bachofen, Fustel de Coulanges, MacLennan, Tylor, Morgan, Frazer… a quem Laplantine chama de pesquisadores-eruditos, citando suas obras e comparando-as entre si, estas continuavam sendo feitas a partir de resultados de pesquisas de campo realizadas por outras pessoas, no caso viajantes, missionários, administradores das novas terras, se utilizando de instrumentos criados pelos cientistas que ficavam em sua metrópole se encarregando apenas de receber, estudar e interpretar as informações trazidas pelos intermediadores entre cientista e o objeto de pesquisa e, na falta de algum documento, os cientistas procuravam complementar apenas com suas intuições. Para Laplantine, seria muito simples descreditar o trabalho daqueles cientistas não fosse a importância e a necessidade dessa fase na história da antropologia para que chegássemos ao que temos hoje. Nesta fase já existia uma amadurecida ideia da teoria Evolucionista, duramente criticada mais tarde pelo antropólogo Levi-Strauss que defendia a não hierarquização de povos ou culturas tendo em vista a universalidade do pensamento humano independentemente de pertencer a uma cultura dita civilizada ou a uma cultura dita selvagem. Segundo ele, todas são culturas, embora diferentes, e essa diferença é que traz a originalidade, a diversidade a riqueza cultural, que hoje o mundo está perdendo. A perda da originalidade cultural era um dos medos do Strauss. Já o capítulo IV é dedicado a dois precursores da etnografia: Franz Boas, americano de origem alemã, cuja preocupação era a forma como era praticada a pesquisa de campo. Acreditava que tudo tinha que ser anotado meticulosamente. Segundo Boas era obrigatório detalhar o detalhe, fazer uma transcrição fidelíssima dos objetos observados na tentativa de reduzir ao menor número de erros possíveis o momento da interpretação da pesquisa, o que não se conseguiria com a terceirização da pesquisa de campo. Foi o primeiro a criticar severamente o evolucionismo (embora outros já tivessem aberto caminho para isso) e um dos primeiros a mostrar a necessidade de o próprio cientista mergulhar na cultura pesquisada, inclusive registrando os fatos na mesma língua originária da comunidade; Malinowski, o outro nome importante da etnografia citado no livro, levou tão a sério o trabalho de cientista pesquisador que além de conviver com a sociedade pesquisada, optou por romper ao máximo o contato com o mundo europeu durante o período de realização de seus trabalhos, acreditando que poderia ser influenciado pelo pensamento etnocêntrico. Malinowski retrata ricamente o seu dia a dia de trabalho como pesquisador no livro Os Argonautas do Pacífico Ocidental. A partir de então a Antropologia se torna adversa ao evolucionismo, convencendo ou tentando convencer o mundo de que todas as sociedades diferentes da nossa, são tão humanas quanto e que todos os homens e mulheres não se tornam primitivos pelo fato de se comportarem diferente de nós. De acordo com Laplantine, não podemos negar a grande contribuição de Boas e Mlinowski, visto que foi a partir de suas preocupações com o desenvolvimento da etnografia como ferramenta de difusão da antropologia que a humanidade conseguiu um grande avanço no sentido de transformá-la em ciência. Similarmente ao capítulo IV que fala sobre os criadores da etnografia, o capítulo V versa sobre os primeiros Teóricos da Antropologia, Durkheim e seu sobrinho Marcel Mauss, abordando além das ideias e trabalhos desses primeiros teóricos, acrescentando as críticas e até algumas oposições desses teóricos a obras ou pensamentos de outros cientistas inclusive de outras disciplinas. Segundo o capítulo, esses teóricos disseminam a ideia de que cada disciplina precisa se emancipar umas das outras. A maior preocupação de Durkheim era a de que a Antropologia deveria ser uma ramificação da sociologia, Mauss discordava e trabalhou a vida inteira para que a Antropologia se tornasse uma disciplina independente. Laplantine faz um comparativo encontrando pensamentos bem próximos entre 'Os Argonautas do Pacífico Ocidental' de Malinowski e 'Ensaio sobre o Dom' de Mauss. Em suma, o Livro Aprender Antropologia de François Laplantine é composto de 20 capítulos: 19 capítulos sobre Antropologia e o vigésimo, dedicado ao seu autor. Este último poderia ter sido muito bem aproveitado para contar sua vida e principais contribuições para a Antropologia e para a sociedade. No entanto, optou-se por apenas enumerar suas obras. À medida que vai falando sobre os ideais de determinados cientista, o autor se preocupa a também fazer comparações com ideias de outros teóricos, sejam elas idênticas ou opostas, contemporâneas ou não, assim como também vai fazendo comparações entre culturas inclusive, atuais, mencionando e enfatizando a importância dos fatos decorrentes em cada época e os principais nomes e suas relevantes contribuições para que a antropologia avançasse e chegasse ao estágio atual enquanto ciência. De acordo com o mencionado na introdução do livro, Laplantine não intencionou direcionar sua obra exclusivamente a Antropólogos ou pessoas que exerçam funções ligadas à Antropologia, mas principalmente a estudantes que estão buscando conhecimentos básicos sobre a história da disciplina dentre outros possíveis interessados e para isso se utiliza de uma linguagem de fácil compreensão, uma boa tática do autor para alcançar o maior número de leitores possíveis. Outra característica interessante é a conectividade entre os capítulos. Todos eles fazem uma complementação entre si, de tal forma que o leitor pode esperar tanto uma boa base do capítulo atual para o capítulo seguinte, quanto uma boa complementação do capítulo atual para o capítulo anterior. Emfim, essas características do livro Aprender Antropologia por François Laplantine tornam sua leitura mais acurada, mais fácil e prazerosa, incentivando a leitura e como consequência, gera um bom e proveitoso aprendizado àqueles que têm a oportunidade de conhecê-lo.