As operações internacionais amparadas em cartas de crédito, aparentemente são bastante simples, porém a prática mostra o contrário. Para que uma transação comercial internacional seja realizada com sucesso, tanto o exportador quanto o importador devem atentar para alguns dados que identificam e amparam a venda. Qualquer dado omitido ou pouco esclarecedor nos documentos exigidos em uma carta de crédito pode tornar-se um péssimo negócio, principalmente para o exportador. Pode-se definir a carta de crédito como sendo uma ordem de pagamento condicionada, isto é, o exportador fará jus ao recebimento , se atender a todas as exigências por ela estipuladas. Vale salientar que, por ser a modalidade de pagamento mais segura, é fundamental o conhecimento sobre todos os trâmites de uma carta de crédito. O objetivo deste artigo é demonstrar os procedimentos realizados pelas instituições financeiras desde a solicitação de abertura de um crédito documentário pelo importador até sua liquidação, ou seja, até o recebimento do dinheiro pelo exportador. Para obter o resultado esperado, esse artigo aborda as características gerais de uma carta de crédito, as funções e obrigações das partes intervenientes, entre outros aspectos importantes. No fim do século XIX, era comum a prática de negócios baseados em cartas de crédito emitidas por grandes comerciantes, cujo patrimônio dava respaldo às transações. Assim, os documentos com feições de carta de crédito circulavam livremente sem a interveniência das instituições financeiras. A versão moderna do crédito surgiu no início do século passado. Como o instrumento envolvia parceiros comerciais desconhecidos e instituições financeiras, e não existiam normas reguladoras, viu-se a necessidade de padronizar o instrumento internacionalmente. Após a Primeira Guerra Mundial, houve um crescente aumento na utilização do crédito documentário e os bancos norte-americanos começaram a exigir que os bancos europeus assumissem a responsabilidade pelos pagamentos das exportações feitas para aquele continente. Ao mesmo tempo, os exportadores europeus exigiam que um banco europeu confirmasse o pagamento das importações feitas pelos Estados Unidos. Em 1929 foi aprovado um primeiro projeto de regras e usos uniformes relativos ao crédito documentário, aceito apenas por algumas associações, mas recusadas pelos norte-americanos e ingleses. Em 1951, devido ao grande fluxo de negócios ocasionado pelo processo de reconstrução do pós-guerra, uma nova versão recebeu a adesão de grande parte dos países envolvidos no comércio internacional. A integração dos mercados às Regras uniformes ocorreu com a revisão do 1962, que contou com a adesão dos países, ao incluírem e adotarem os procedimentos prescritos como regra para análise e conferência dos documentos negociados amparados pelas cartas de crédito. Uma operação internacional está sujeita a riscos maiores do que de uma transação no mercado doméstico. Deve-se levar em consideração características como idioma, costumes, legislações diferentes entre os países negociadores. Os riscos estão relacionados tanto com a capacidade de pagamento e idoneidade do comprador, quanto com os aspectos econômicos, políticos e cambiais de país do importador. O mercado de câmbio é um ambiente abstrato onde são realizadas as operações decorrentes de comércio exterior. O contrato de câmbio é o documento que formaliza este comércio. Nele consta, obrigatoriamente, dentre outras informações, a moeda estrangeira, a taxa contratada, o valor correspondente em moeda nacional, o nome do comprador e do vendedor. Uma vez que o mercado de câmbio é regulamentado pelos Bancos Centrais de cada país e todas as instituições financeiras seguem uma regra uniforme, que padroniza a análise e conferência dos documentos, deve-se observar o conceito e porte do banco emissor, para avaliar o risco de não cumprimento do crédito documentário, pois existem muitos bancos pequenos e regionais. O ideal é a emissão por bancos tradicionais e com grande patrimônio, considerados banqueiros de primeira linha. De todas as modalidades de pagamento existentes, a carta de crédito é a que oferece maior respaldo ao exportador, pois envolve uma operação garantida por um ou mais bancos, que se responsabilizam pelo pagamento ; e oferece, também, garantias ao importador, pois estabelece que suas determinações serão cumpridas pelo exportador. ANÁLISE DA DEFINIÇÃO E UTILIZAÇÃO DA CARTA DE CRÉDITO O crédito documentário ou carta de crédito é uma modalidade de pagamento bastante comum, pois oferece garantias maiores tanto para o importador, quanto para o exportador. Pode-se definir a carta de crédito como uma ordem de pagamento condicionada, isto é, o exportador somente fará jus ao recebimento se atender a todas as exigências por ela estipuladas. Consiste em uma operação creditícia, através de bancos intermediários, decorrente de uma venda internacional. O mecanismo dessa operação, apesar de parecer complexo, não apresenta maiores dificuldades : após a conclusão do contrato de compra e venda entre o exportador e o importador, ajustados os termos e condições da negociação, o importador solicita ao seu banco que seja aberto um crédito em moeda estrangeira em favor do exportador na praça deste. Desta forma, o banco expede a carta de crédito, através da qual fica o exportador notificado de que lhe foi aberto um crédito, por conta e ordem do comprador, assegurando desse modo que o preço lhe será pago por ocasião da entrega dos documentos, se cumpridos todos os termos contratuais da carta. As regras relativas às cartas de crédito e à sua emissão estão normatizadas na Brochura 600 da Câmara de Comércio Internacional – CCI (International Chamber of Commerce – ICC). A CCI é uma organização que não possui vínculos e não depende de governo de qualquer país. Ela representa negócios e relações comerciais em nível mundial e tem sua sede em Paris. As principais funções da Câmara de Comércio Internacional são : promover o comércio mundial e os investimentos, representar a comunidade comercial em todo o mundo, harmonizar as práticas e terminologias de uso do comércio, entre outras. As atividades desta organização cobrem um amplo aspecto, que vão desde a arbitragem, solução de conflitos, defesa do livre comércio até seminários, estudos e publicações. LEVANTAMENTO DAS FUNÇÕES ESPECÍFICAS DAS PARTES INTERVENIENTES O crédito documentário apresenta os seguintes intervenientes e suas funções : a) Aplicante ou Tomador (Applicant) : tomador do crédito, importador. Solicita ao banqueiro emissor a abertura da carta de crédito ; b) Beneficiário (Beneficiary) : beneficiário da carta de crédito, exportador. Deve cumprir todas as condições exigidas para que possa receber o valor do crédito ; c) Banco Emitente (Issuing Bank) : responsável pela abertura do crédito em favor do exportador e pela condução da operação. Age a pedido e em conformidade com instruções do importador ; d) Banco Avisador (Advising Bank) : banco na praça do exportador a quem cabe avisar a abertura do crédito ao exportador, mediante verificação preliminar da autenticidade do crédito sob aviso ; e) Banco Negociador (Negotiating Bank) : banqueiro responsável pelo recebimento dos documentos para análise e conferência e pagamento ao exportador ; f) Banco Confirmador (Confirming Bank) : banco que, a pedido do banco emitente ou do beneficiário, ratifica os termos de crédito assumido, adicionalmente às obrigações do banqueiro emitente. Ambos são co-responsáveis pelas garantias bancárias. g) Banco Reembolsador (Reimbursement Bank) : banqueiro instruído e/ou autorizado a providenciar o reembolso relativo à autorização de reembolso emitida pelo banco emissor. h) Banco Designado (Nominated Bank) : banco a quem o crédito está restrito, isto é, a instituição financeira determinada no crédito. Se o crédito indicar que é disponível junto a qualquer banqueiro, trata-se de crédito livremente negociável. Assim, se o beneficiário entregar os documentos ao banco de sua preferência, este banco escolhido é considerado o Banco Designado, cabendo pagar ou aceitar saques de acordo com as condições do crédito. i) Banco Pagador (Paying Bank) : é o mesmo que o Banco Designado, se aceitar a designação, cabe o compromisso de pagar. CARACTERÍSTICAS DA CARTA DE CRÉDITO Revogável ou Irrevogável Crédito revogável é aquele que pode ser modificado ou revogado sem prévia anuência do beneficiário. Crédito irrevogável somente poderá ser cancelado ou alterado mediante prévia anuência de todas as partes interessadas. Entretanto, se o exportador não embarcar a mercadoria, deixar vencer os prazos da carta, estará provocando o cancelamento da carta. Todo e qualquer crédito que não seja expressamente declarado revogável é considerado irrevogável. Transferível ou Intransferível Usualmente as cartas de crédito são intransferíveis. No crédito transferível o banco é autorizado a pagar o total ou parte do seu valor a um ou vários segundos beneficiários, em conformidade com instruções emanadas do primeiro beneficiário. Para ser considerado transferível deve conter expressamente a designação 'transferível' (transferable). Qualquer outra expressão deve ser desconsiderada. À vista ou a Prazo Quando a carta de crédito é à vista, o exportador recebe o pagamento do banco negociador contra a apresentação dos documentos exigidos, desde que eles estejam 'sem discrepâncias'. Na carta de crédito a prazo, o exportador entrega os documentos exigidos ao banco negociador, porém somente receberá o pagamento no vencimento. FORMAS DE UTILIZAÇÃO Por Pagamento (By Payment) O pagamento é efetuado contra apresentação e conferência dos documentos pelo banco emissor. De acordo com a Publicação 600, o banco emitente tem sete dias úteis após o recebimento para analisar os documentos e recusá-los, se for o caso de apontar discrepâncias. Por Pagamento Diferido (By Deferred Payment) Quando no crédito é preestabelecido o vencimento da obrigação. Por Aceite (By Acceptance)O beneficiário apresenta a documentação juntamente com um saque a prazo, emitido contra o banco nomeado na carta de crédito. O banco aceitará o saque, devolvendo-o ao beneficiário. Este pode aguardar até seu vencimento ou desconta-lo na rede bancária. Por Negociação (By Negotiation)O banqueiro negociador tem a prerrogativa de poder 'negociar' o crédito (atribuir valor, pagar antecipadamente com desconto), a partir da análise dos documentos, uma vez que estes estejam de acordo com os termos e condições estabelecidas no crédito documentário, independentemente da análise do banco emissor. CONCLUSÃO Não restam dúvidas que existem dificuldades, tanto por parte do exportador quanto por parte do importador, em conseguir conviver com os mecanismos do crédito documentário, uma vez que existe um grande leque de opções que podem dar uma feição 'sob medida' aos seus negócios. Vale salientar que, apesar da carta de crédito exigir um pouco mais de conhecimento das partes envolvidas, essa modalidade de pagamento fornece segurança para o comprador e o vendedor, principalmente em um período conturbado como o atual. Observa-se que as empresas normalmente não possuem um profissional conhecedor do assunto, o que acaba prejudicando o desenrolar da negociação através de uma carta de crédito. Alguns cuidados devem ser tomados anteriormente à abertura do crédito. É essencial que todos os termos da carta de crédito sejam estipulados por escrito, de preferência na fatura proforma, evitando assim correções posteriores e perda de tempo e dinheiro consumido por renegociações e emendas. Cabe ao banco verificar se os documentos apresentados estão de acordo com os termos do crédito documentário. Cabe ao exportador e ao importador negociarem estes termos para que tudo ocorra de acordo com o planejado. É de suma importância que os profissionais de comércio exterior tenham o conhecimento e o acesso às publicações que amparam esta modalidade de pagamento, uma vez que as instituições bancárias não são responsáveis pelo contrato particular entre o exportador e o importador e as condições ali impostas.