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Quando fui convidado para escrever um artigo sobre a burocracia no Brasil, a primeira imagem que me veio à cabeça foi do Mark Zuckerberg na fila de um cartório. Confesso que ri. Ri para não chorar.
Há poucos meses, nossa empresa conseguiu o feito hercúleo de ser aprovada para receber um financiamento atrelado à inovação. E vou abrir um parêntese aqui para explicar porque foi tão difícil: provar que o negócio era inovador e o projeto de alto impacto foi o menor dos desafios. Aliás, a maior preocupação não estava aqui, e sim nas garantias, na documentação dos proprietários das garantias, na documentação dos sócios da empresa proprietária das garantias, e fiquei pasmo quando chegou ao nível de documentação dos cônjuges dos sócios da empresa proprietária das garantias para um financiamento que estava sendo tomado por nós. Assinaturas e mais assinaturas, registros em cartórios no Paraná, Santa Catarina e São Paulo, por conta de onde os sócios se encontravam.
E sem falar nas certidões&#8230; Aqui a história entra em seu clímax. Nem preciso dizer que aqui foi onde os burocratas conseguiram seus maiores feitos, certo? Aqui eles usaram toda criatividade e dedicação para deixar a coisa o pior possível. Tornaram o processo tão amarrado e ineficiente quanto ninguém poderia imaginar. É certidão para tudo que você faz na vida. O processo com as certidões para esse financiamento me deixaram sequelas: a Síndrome do Pânico das Certidões. Os sintomas são: palpitação nas pálpebras, formigamento nos lábios, dor no pescoço, arritmia cardíaca, perda de apetite. Conhecem o jogo do “Vence, Vence”? É aquele jogo que você tira a certidão negativa e alguma outra vence (expira); quando você tira esta, alguma outra vence. O desafio é ter todas na validade ao mesmo tempo. É um jogo tão demorado quanto o Quadribol (dos livros do Harry Potter) pode demorar. Só em fantasia para se criar um negócio desses.
No nosso caso, uma das centenas de certidões não estava dando negativa – ou seja, estava barrando o empréstimo. E quando fomos tentar entender o porquê, o sistema da Receita estava fora de ar. Durante uma semana, fomos todos os dias e não conseguimos respostas. No décimo dia, alguém conseguiu verificar que a receita havia processado erroneamente uma informação e que precisaria corrigi-la. Eram R$200,00 que constavam como não pagos, mas que já haviam sido quitados por nós. Mas não importava. Eles sabiam disso, mas precisavam de outros papeis, precisavam seguir o protocolo. Porém, havia um grande porém: o sistema estava fora de ar.
Nosso financiamento estava travado por conta disso. E por conta de todo o restante da burocracia o processo de obtenção do financiamento já estava em seu quarto mês. O sistema ficou fora de ar por 15 dias, aproximadamente. Demoraram mais uma semana para processar a informação. E finalmente conseguimos a certidão. Aí, o processo já estava quase em seu quinto mês. Haviam nos passado um prazo máximo de 60 dias para obtenção do crédito. Nós nos planejamos para termos até dois meses de atraso. Mas estava demorando muito mais do que isso. As contas começavam a chegar, porque havíamos dado continuidade aos investimentos, acreditando que o financiamento entraria logo.
De repente, nosso foco estava todo na luta para sobreviver. Uma luta diária para levantar caixa, conseguir outras linhas de giro, etc. O foco, que deveria estar no projeto, na inovação, estava na sobrevivência pelo caixa, por conta de uma Certidão Negativa de Crédito (CND) que ficou travada por R$200,00. E quando achávamos que o dinheiro entraria&#8230; Opa! Espera lá! Temos que averbar o contrato e as garantias em cartório!! Demora 30 dias!!!! Imaginei novamente o Mark Zuckerberg na fila do cartório e esperando 30 dias para poder lançar o Facebook em outra Universidade americana, em seus primeiros meses de existência.
Isso é só uma amostra do que existe por ai, e existem situações muito piores do que a nossa. Milhares de pequenas e médias empresas já passaram ou estão passando por isso.
Um dos valores de nosso negócio é: acredito fielmente que nada é impossível!
Às vezes acho que os burocratas descobriram esse valor e tentam fazer de tudo para que o mudemos para: acredito que nada é impossível, desde que eu vença a burocracia primeiro.
Como podemos esperar viver em um mercado menos burocrático e mais eficiente sendo que nem o Estado está preocupado com sua eficiência? Essa é minha maior dúvida. Que esperança podemos ter por eficiência enquanto o Estado não estiver lutando para ser mais eficiente?
E o pior é que a burocracia se estende para nosso sistema de educação, saúde, serviços básicos (água, luz, telefone, internet). Ao invés de nosso Estado ser exemplo em meritocracia, em resultados, em empreendedorismo, se tem justamente o contrário.
Sonho com o dia que a burocracia e os tributos não forem mais nossos maiores desafios para empreender. Nesse dia me sentirei livre de verdade para empreender e enfrentar os desafios que os grandes empreendedores devem enfrentar com 100% de seu foco: concorrência, inovação, gestão, formação de talentos.
Ah! E só para concluir: já experimentaram lançar um produto bem inovador? É até engraçado. O sistema tributário é tão falho que há 99% de probabilidade de não existir um imposto correto para ele. Aí, ou você opera no risco, ou espera meses até conseguir criar um tributo correto para seu produto&#8230; E vamos à luta! Amanhã tenho mais uma certidão para tirar.
Artigo publicado originalmente no <a href="http://www.endeavor.org.br" target="_blank" rel="noreferrer noopener">site da Endeavor Brasil </a>e cedido gentilmente ao Administradores.com.

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Comunidades corporativas dedicadas à responsabilidade em IA constituem-se como um agente transformador para levar os princípios éticos do papel para a prática


*Por Jen Medeiros
As comunidades corporativas estão se tornando espaços estratégicos e poderosos para o desenvolvimento responsável de inteligência artificial (IA), especialmente quando se trata de fairness, mitigação de vieses, explicabilidade e participação dos usuários. Em vez de tratar a ética em IA como uma camada superficial ou apenas uma obrigação de compliance, essas comunidades funcionam como palcos de diálogo, vigilância e governança contínua, permitindo que as organizações internalizem e operacionalizem valores éticos.
Primeiramente, é importante reconhecer que o uso responsável de IA dentro das corporações exige mais do que um conjunto de princípios escritos e muitas empresas já adotaram frameworks ou diretrizes para guiar seu trabalho com IA. No entanto, a simples existência de princípios não garante que eles sejam efetivamente aplicados nos sistemas de tomada de decisão, especialmente diante da complexidade técnica, das pressões de mercado e das dinâmicas organizacionais. A literatura sobre IA corporativa tem mostrado que estruturas formais de governança, como comitês de ética ou conselhos de revisão de algoritmos (“algorithm review boards”), podem desempenhar um papel decisivo para mediar essa lacuna entre teoria e prática.
Um estudo recente da Cornell University, investigou exatamente esses modelos: os “algorithm review boards” (ARBs) são grupos internos formados por membros técnicos e não técnicos, cujos papéis incluem revisar projetos de IA, avaliar riscos éticos e definir critérios claros de sucesso para iniciativas de IA responsável.Esses comitês têm mostrado ser uma das abordagens mais eficazes para institucionalizar a governança de IA, sobretudo quando há apoio de lideranças e integração com outras práticas já existentes na empresa, algo fundamental para que tais comunidades corporativas gerem impacto.
É nesse ponto que as comunidades dentro das empresas, ou entre empresas, se tornam fundamentais. Elas proporcionam uma articulação mais rica entre diferentes stakeholders, desenvolvedores, gerentes, equipes de ética, compliance, usuários finais, e permitem que haja trocas constantes sobre temas como justiça algorítmica (“fairness”), explicabilidade (XAI), auditoria de viés e participação. Essas comunidades podem surgir formalmente, por exemplo, na forma de comitês de ética de IA ou conselhos de governança, ou informalmente, como grupos de prática (communities of practice) dedicados a discutir dilemas éticos, compartilhar casos de uso ou auditar modelos.
As vantagens de ter essas comunidades são múltiplas. Elas funcionam como mecanismos de aprendizagem organizacional: erros, riscos ou falhas detectados em um projeto podem ser compartilhados com outros times para evitar repetição. Também propiciam uma cultura de responsabilidade: quando colaboradores se sentem parte de um grupo dedicado à ética, há maior senso de legitimidade e de propriedade sobre as práticas de IA responsável.
A literatura acadêmica aponta também para os desafios dessas iniciativas. Um trabalho clássico, por exemplo, investiga como a cultura organizacional e a estrutura da empresa influenciam a eficácia de iniciativas de IA responsável.Segundo esse estudo, mesmo com boas intenções, muitas empresas enfrentam tensões entre experimentação ágil de produto e processos regulatórios mais lentos; entre métricas de negócio (como KPIs de lucro) e métricas éticas difíceis de quantificar; e entre equipes técnicas e éticas, quando falta alinhamento institucional. Há também risco de “engenheiros de ética” assumirem riscos pessoais elevados para defender práticas mais responsáveis, especialmente se não houver apoio estrutural ou recompensas formais para esse trabalho.
No contexto organizacional, a justiça em IA (fairness) é profundamente ligada à teoria da justiça organizacional. Para que sistemas de IA que gerenciam funcionários sejam justos, é preciso considerar diferentes tipos de justiça: distributiva (como são distribuídos benefícios ou encargos), processual (como são os processos de decisão) e interacional (a forma como as pessoas são tratadas). Isso significa que essas comunidades devem dialogar com gestores de pessoas, recursos humanos e líderes organizacionais, para garantir que o design e a governança das ferramentas de IA sejam alinhados com valores organizacionais mais amplos.
Por fim, a participação dos usuários e a explicabilidade são pontos cruciais. Comunidades podem promover formas de engajamento dos usuários nos projetos de IA: workshops, painéis consultivos, mecanismos de feedback ou auditoria. Esses espaços possibilitam que a explicabilidade deixe os modelos em linguagem acessível, incorpore a visão dos usuários quanto ao que é justo e compreensível, e adapte os sistemas em resposta ao feedback. 
Em suma, comunidades corporativas dedicadas à responsabilidade em IA constituem-se como um agente transformador para levar os princípios éticos do papel para a prática. Elas funcionam como instâncias de governança, de aprendizagem e de participação, alinhando valores de fairness, explicabilidade e reparação de viés com a cultura organizacional e os interesses dos diversos stakeholders. Para que seu potencial seja plenamente realizado, entretanto, é essencial que essas comunidades sejam institucionalizadas com legitimidade, recursos e apoio da liderança, e que sejam capazes de dialogar com as estruturas de poder e os processos de negócio da empresa. 
 
*Jen Medeiros é CEO da comuh, empresa especializada na gestão de comunidades e ecossistemas de negócios. Palestrante e especialista na criação e gestão estratégica de comunidades com 15 anos de experiência. Criadora e host do Community Playbook, um Podcast de aplicações reais, atuais e futuras de estratégia de comunidades. É professora da Descola e da Escola Britânica de Artes Criativas e Diretora do CMX Connect São Paulo, uma instituição internacional que promove o desenvolvimento da indústria de comunidades. Top 3 do prêmio Community Industry Awards 2024 como melhor profissional de comunidades B2B, e fellow no programa On Deck Community Builders.

Comunidades corporativas como palco para desenvolvimento responsável de IA

O mercado é impiedoso com quem é lento. Não adianta ter o melhor produto se a estratégia financeira for falha


 
Por Thiago Brasil | FP&amp;A, Controladoria e Estratégia | Coluna de Estreia
Para inaugurar este espaço no Administradores, escolhi não falar de planilhas, mas de sobrevivência. No mundo dos negócios, assim como na Fórmula 1, ter o melhor "carro" (produto) já não garante a vitória se a estratégia de corrida for amadora.
Estamos assistindo agora, nesta reta final de temporada, à busca implacável de Max Verstappen pelo título. O que diferencia o holandês e a Red Bull nas últimas vitórias não é apenas a potência do motor, muitas vezes a concorrência até tem um carro mais rápido em volta lançada. O diferencial é a leitura de cenário. É saber a hora exata de atacar e a hora de gerenciar os pneus.
Enquanto a Red Bull recalcula a rota a cada volta, a maioria das empresas brasileiras ainda opera seus departamentos financeiros como se fossem equipes de 1980: esperando a corrida acabar para olhar a telemetria.
Se a sua empresa dirige olhando apenas para o retrovisor contábil, tenho uma má notícia: vocês vão bater no muro.
1. Telemetria é Passado, Estratégia é Futuro
Karen Berman, em "Financial Intelligence", nos lembra que a contabilidade é cheia de estimativas. Na F1, isso seria como discutir, na volta 50, se a curva feita na volta 10 foi perfeita. É irrelevante se começou a chover agora.
O novo profissional de FP&amp;A (Financial Planning &amp; Analysis) não perde tempo discutindo o centavo da conta de luz do mês passado. Ele foca no Pace (ritmo) da empresa.
O lucro líquido é o resultado da corrida, mas o Caixa é o Combustível. Se acabar, você para, não importa se você é o Verstappen ou um estreante. O analista moderno não apenas reporta que o combustível baixou; ele projeta quantas voltas ainda é possível dar naquele ritmo agressivo e chama o Pit Stop (captação ou corte de custos) antes da pane seca.
2. O Orçamento Estático é uma Estratégia Suicida
Ainda vejo gestores presos ao Orçamento Anual fixo, aprovado meses antes do ano começar. Na pista, isso equivale a decidir fazer uma parada única antes da largada e manter essa decisão mesmo quando entra um Safety Car ou o asfalto muda de temperatura.
Rigidez burra quebra negócios.
A resposta do FP&amp;A é o Rolling Forecast. É a capacidade de recalcular a rota a cada volta, exatamente como vemos nas estratégias que garantiram os pontos cruciais de Verstappen recentemente. O dólar subiu? O insumo encareceu? O estrategista de FP&amp;A chama o "Box, Box" imediatamente. Ajusta-se a meta, protege-se a margem. Quem segue o plano original cegamente termina na caixa de brita.
3. De Engenheiro de Dados a Engenheiro de Corrida
Peter Drucker dizia que "a melhor maneira de prever o futuro é criá-lo".
No passado, o Controller era o Scorekeeper (o cara que ficava na lateral anotando os tempos). Ele não falava com o piloto. Hoje, o mercado exige o Engenheiro de Corrida (o "Lambiase" no rádio do Verstappen).
É o Business Partner. Aquele que está no rádio com o CEO (o piloto) dizendo: "Se você forçar o ritmo de vendas agora, vamos estourar o capital de giro na Curva 4. Poupe pneus agora para atacar no final do trimestre."
Isso é inteligência de negócio. O resto é apenas preenchimento de tabela.
O Veredito desta Estreia
O mercado é impiedoso com quem é lento. Não adianta ter o melhor produto se a estratégia financeira for falha.
Sua empresa não precisa de mais gente para explicar por que perdeu a corrida no mês passado. Ela precisa de alguém no rádio, cantando a estratégia para vencer a próxima curva. A pergunta que deixo para iniciarmos nossa conversa por aqui é: o seu financeiro está pilotando com você ou apenas assistindo da arquibancada?
Sobre o autor: Thiago Brasil | Consultor na thg.finance e especialista em Controladoria e Estratégica. Focado em transformar dados em performance de negócio, possui vivência prática em reestruturação e varejo.

Não seja apenas o Cronometrista: O que sua empresa pode aprender com a frieza de Max Verstappen

A tecnologia não fracassa. Quem fracassa é o modelo de gestão. E só quando líderes entendem isso é que a verdadeira transformação começa


A cada ano, estudos como o CHAOS Report do Standish Group e análises da McKinsey mostram a mesma realidade incômoda: a maioria dos projetos de TI falha. As taxas de insucesso (cancelamentos ou entregas com desempenho abaixo do esperado) permanecem alarmantemente altas, frequentemente superando 66% [1] [2]. Estouram prazo, estouram orçamento, não entregam o valor prometido e, pior ainda, desgastam pessoas e equipes. E o mais curioso é que isso ocorre não por falta de tecnologia — mas por falta de compreensão.
Depois de três décadas entre Administração, Gestão de Projetos e Tecnologia, pude ver de perto uma verdade simples e dura:
Projetos de TI não fracassam por causa do código. Eles fracassam por causa da gestão.
Neste artigo, aprofundo os principais erros que condenam projetos antes mesmo de começarem — e o que gestores, diretores e administradores precisam entender para virar esse jogo, ilustrando com casos reais de fracasso em grandes corporações, no setor público brasileiro e no dinâmico, mas volátil, mundo das startups.
1. O erro fatal: achar que “TI” é só tecnologia
Ainda hoje, muitos gestores enxergam TI como um departamento técnico que “configura coisas”, “instala sistemas” ou “resolve problemas”. Essa visão reduzida impede a empresa de entender o real papel da área.
A verdade é simples: TI é estratégia. TI é cultura. TI é operação. TI é negócio.
Desconsiderar isso leva a decisões perigosas, como aprovar projetos sem escopo claro, exigir prazos irreais e subestimar riscos, integração e dependências. Projetos de TI são projetos organizacionais. Quando um deles falha, não é a TI que falha — é a empresa toda.
Caso Real: O Sistema de Bagagens do Aeroporto de Denver (DIA)
O fracasso do sistema automatizado de bagagens do Aeroporto Internacional de Denver (DIA) em 1995 é um exemplo clássico de como a subestimação da complexidade tecnológica e a pressão gerencial podem levar ao desastre [3]. O projeto falhou ao tratar a tecnologia como um item isolado, e não como um componente crítico de uma operação complexa.
2. Falta de clareza: o inimigo número um
A maior parte dos projetos nasce confusa. Ninguém sabe exatamente qual problema precisa resolver, não há métricas claras para definir sucesso e não existe alinhamento entre as áreas. A TI começa a execução com peças soltas, tentando “adivinhar” o que foi pedido.
Isso cria retrabalho, conflitos e a sensação de que “o time de tecnologia não entende o negócio”. Mas, na verdade, é o negócio que frequentemente não sabe se expressar.
Caso Real Brasileiro: O Risco do Product-Market Fit (Frubana)
No universo das startups, a falta de clareza se manifesta como a falha em alcançar o Product-Market Fit (PMF). O caso da agritech Frubana ilustra esse risco no contexto brasileiro. A empresa, um marketplace B2B de alimentos que captou milhões de dólares, encerrou suas operações no Brasil em 2025 [14].
Embora a tecnologia para o marketplace existisse, o projeto falhou em sua essência de gestão: a complexidade operacional da cadeia de suprimentos de alimentos frescos no Brasil e a dificuldade em escalar o modelo de negócio com a margem esperada. O projeto de TI (o produto) era funcional, mas o projeto de negócio (a solução para o mercado) não se sustentou. O fracasso não foi de código, mas de gestão do escopo e do valor no mercado real.
3. A política interna destrói mais projetos que qualquer bug
É raro ouvir alguém admitir, mas é verdade: o que mais atrapalha projetos de TI não é falta de verba — é o jogo político.
Isto inclui disputas entre departamentos, áreas que “seguram” informação, gestores que não querem perder poder e comitês que atrasam decisões simples. A política interna é um dos maiores custos invisíveis das empresas.
Caso Real Brasileiro: Falhas de Governança na Administração Pública Federal (TCU)
O Tribunal de Contas da União (TCU) frequentemente aponta falhas graves na gestão e governança de TI na Administração Pública Federal, o que serve como um exemplo contundente de como a política interna e a falta de governança sistêmica destroem projetos [11].
Auditorias do TCU revelaram problemas como:
Essas falhas não são técnicas; são falhas de gestão e governança. A ausência de uma liderança unificada e a persistência de "feudos" e interesses departamentais (a política interna) transformam a TI em um ambiente de alto risco e baixa entrega de valor.
4. As pessoas não são treinadas para a mudança 
Em muitos projetos, o impacto humano é ignorado. A empresa introduz um novo sistema, novo processo ou nova forma de trabalhar... e esquece que pessoas não mudam porque alguém mandou.
Sem treinamento, sem comunicação clara, sem adaptação, o resultado é sempre o mesmo: resistência silenciosa, sabotagem involuntária, uso incorreto do sistema e retorno ao processo antigo. Não existe projeto de TI sem projeto de mudança.
Caso Real no Brasil: A Resistência em Implantações de ERP
No contexto brasileiro, estudos sobre fracassos em implantações de ERP consistentemente apontam a resistência à mudança como um fator crítico [6] [10].
Em empresas nacionais, o fracasso não está na tecnologia do ERP (SAP, Oracle, Totvs, etc.), mas na falha em gerenciar a transição dos usuários. A cultura de trabalho arraigada, a falta de treinamento adequado e a comunicação deficiente sobre o porquê da mudança levam os funcionários a verem o novo sistema como uma ameaça ou um obstáculo.
5. O “custo oculto” da falta de documentação
Documentação é tratada como burocracia, mas é justamente o que sustenta um projeto ao longo do tempo.
Sem documentação, testes viram adivinhação, suporte técnico vira gambiarra, mudanças futuras tornam-se perigosas e a empresa depende de pessoas e não de processos. Projetos sem documentação funcionam enquanto “Fulano está aqui”. Depois, viram bomba-relógio.
6. A ilusão do prazo mágico
O mercado sofre de um mal comum: prazos irreais baseados em esperança, não em capacidade real.
Quando o prazo é imposto de cima para baixo, sem análise de dados ou complexidade, o resultado é previsível: pressão no time, cortes de qualidade, implementações apressadas, bugs, retrabalho, burnout e, finalmente, fracasso.
 
Caso Real: O Natal Perdido da Hershey's
O caso da Hershey's em 1999 é o epítome da ilusão do prazo mágico. A empresa tentou implementar um novo sistema de ERP (SAP R/3) e outros sistemas de gestão de pedidos e distribuição em um prazo extremamente apertado, motivado pela iminente crise do Y2K e pela necessidade de estar com o sistema rodando antes do pico de vendas do Halloween e Natal [7].
A pressa levou a um corte drástico no tempo de testes e validação. O sistema entrou em operação com falhas críticas, resultando na incapacidade de processar e enviar pedidos no período mais importante do ano. A falha custou à Hershey's cerca de US$ 150 milhões em vendas perdidas e uma queda de 19% no lucro líquido do terceiro trimestre [8].
7. O mito do fornecedor salvador
Muitos projetos começam assim: “A empresa X garantiu que entrega tudo em 90 dias.” E, meses depois, a realidade aparece: atrasos, dependências escondidas, integrações não previstas, custo adicional e aquele velho jogo de empurra.
Fornecedores não salvam projetos. Quem salva projeto é governança.
Caso Real: A Responsabilidade Compartilhada da Hershey's
No caso da Hershey's, a implementação foi conduzida por grandes fornecedores (SAP e Accenture). Embora a tecnologia e a consultoria fossem de ponta, a falha residiu na gestão passiva por parte da Hershey's. A empresa delegou a responsabilidade de entender e validar a solução, tratando o projeto como uma compra de prateleira, e não como uma transformação de negócios.
8. O que realmente faz um projeto de TI dar certo
Um projeto de TI bem-sucedido não é o mais moderno nem o mais tecnológico. É o mais bem gerido.
Os pilares são simples:
Quando esses elementos estão presentes, até projetos difíceis fluem. Quando estão ausentes, até o projeto mais simples vira um tormento.
Conclusão: tecnologia nunca foi o problema — gestão, sim
Projetos de TI exigem mais maturidade de gestão do que de tecnologia. As empresas que compreendem isso entregam mais valor, gastam menos, reduzem conflitos e constroem uma cultura de eficiência e aprendizado contínuo.
As que não compreendem… repetem os mesmos erros ano após ano, culpando “o sistema”, “a TI” e “os fornecedores”.
A tecnologia não fracassa. Quem fracassa é o modelo de gestão.
E só quando líderes entendem isso é que a verdadeira transformação começa.
 
Referências
[1] Standish Group. (2020). CHAOS Report 2020.[2] McKinsey &amp; Company. (2012).The business value of IT: The CIO’s guide to value-driven IT.[3] Vefago, Y. (2025).Quando a automação virou um gargalo: o caso do Denver International Airport (DIA). LinkedIn.[4] Panorama Consulting. (2022).4 Lessons Learned From The Navy ERP Failure.[5] Kimberling, E. (2024).Lessons from the US Navy SAP ERP Failure. Third Stage Consulting.[6] Lima, M. S. (2009).Resistência à mudança gerada pela implementação de sistemas ERP. Revista Gestão &amp; Tecnologia.[7] Axis X3. (2023).Caso Hershey's: As consequências de uma falha na implementação de um ERP.[8] CIO. (2002).Supply Chain: Hershey's Bittersweet Lesson.[9] Codelevate. (2025).The top 10 startup failure case studies.[10] ResearchGate. (2021).Lições aprendidas em casos de fracasso na implantação de sistemas ERP no Brasil.[11] Tribunal de Contas da União (TCU).TCU constata irregularidades graves em gestão pública de TI.[12] Telesíntese. (2019).TCU vê falhas na operacionalização dos serviços de TI pelos órgãos públicos.[13] A Gazeta. (2018).TCU suspendeu R$ 780 mi em contratos irregulares de TI em sete meses.

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Caio Bonatto

Como se tornar um executivo fora de série, com Marília Fiuza | Café com ADM 474

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